quinta-feira, 18 de março de 2010

Um breve debate sobre extensão ou De que extensionista estamos falando?


Desde sua fundação, o Instituto Agroecológico (IA) tem a extensão como base da sua prática profissional. Hoje, vinculado ao USF (Universidade Sem Fronteiras) dialoga com a extensão universitária, e no contato com os trabalhadores rurais desenvolve a extensão rural. Durante nossos 4 anos, questionamos nossa forma de intervenção, levantando perguntas sobre o papel do extensionista: a que a extensão se destina? Qual sua penetração e efetividade? Para com quem é o compromisso do extensionista? Enfim, o que pode a extensão?

A extensão brasileira tem sua história vinculada à prática agrícola que passou por um processo de mudança devido à industrialização. Os países industrializados puderam realizar um projeto agrícola impulsionado pela política econômica que produzia mercadorias (ou pacotes produtivos) em larga escala. Seguindo esta via, a política pública da década de 60, desenvolvida pela EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural), encarregava o profissional de ATER de realizar a implementação do pacote tecnológico oriundo da revolução verde. Este órgão originou o que hoje é conhecido como EMATER. A extensão rural contemporânea foi fortemente moldada segundo esta prática, em que o agricultor rural é visto como produtor, indicando o trabalhador como reprodutor da tecnologia que visa a implementação de uma alta produtividade. A idéia de “produtor” descaracteriza o trabalhador do campo como agricultor. “Produtor” remete-nos à idéia de que ele deve dar conta dos meios de produção e dos conhecimentos, quando sabemos que uma relação humana de troca e produção parte do entendimento da realidade do agricultor, buscando conservar o caráter do trabalho do campo como trabalho realizador.

A prática da extensão não se restringe ao implemento da produtividade rural. Podemos pensar outras instituições que também vêm refletindo sobre o papel da extensão, como a universidade. A atuação universitária se dá através de três linhas de ação: extensão, pesquisa e ensino, o chamado tripé universitário. Contudo, a maneira que esse tripé tem sido aplicado privilegia o ensino e a pesquisa, e a prática da extensão não se define com clareza. Ora a extensão se confunde com o ensino (ao se relacionar com o conhecimento como transmissão de informação e não como uma relação de comunicação), ora se confunde com a pesquisa (configurando-se em uma coleta de dados e uma pretensa neutralidade).

O terceiro setor, em nossos dias, também atua significativamente na extensão. Estima-se que 60% da ATER é realizada pelo terceiro setor. Nós, enquanto uma das instituições do terceiro setor, entendemos a extensão enquanto uma relação do conhecimento científico profissional com aplicabilidade real e problemática, em contato com grupos de saberes populares e tradicionais. A forma de estabelecer esse diálogo entre saberes é interventiva, assumimos uma idéia contrária a da neutralidade, propondo um diálogo cuja parcialidade diz respeito aos impactos e conseqüências concretas tanto na nossa percepção, enquanto IA, quanto na vida do agricultor.

Buscamos participar e atuar problematizando o real, através de formas de identificar e perceber as múltiplas determinações, que muitas vezes não se evidenciam automaticamente e sim de forma confusa e contraditória. Uma extensão agroecológica propõe uma nova forma de relação com o conhecimento, que rompe com a lógica da reprodução unilateral. Neste sentido, por mais que seja necessária uma mudança de modelo tecnológico, uma simples substituição do pacote convencional pelo da produção orgânica mantém o agricultor na mesma condição.

A partir do momento em que percebemos que o simples fato de estarmos lá, já é intervir, nos cabe agora refletir (e discutir) a forma que se dá essa intervenção. No entanto, o compromisso assumido deve ser recíproco, ou seja, ambos os grupos envolvidos devem se identificar com a problematização da atuação em si e da realidade experienciada. Nossa atuação se dá em ambientes de opressão, e ainda que tenhamos uma idéia de como a opressão acontece, não sabemos como cada um (comunidade, sujeito) a experiencia.

Esse rompimento da relação unilateral conseqüentemente rompe com a relação sujeito/objeto, passamos então a construir uma relação sujeito/sujeito. Não se trata de uma reprodução de fórmulas e formas, mas de práticas participativas que permitam a todos os envolvidos perceber o real problematizando-o, assumir sua parcialidade diante da realidade problematizada e podem construir vias de ação.

Por mais que tenhamos ambições de realizar um trabalho participativo, e que desse possamos caminhar para as soluções mais adequadas, ainda assim, é importante que reconheçamos os limites da intervenção da extensão. Essa construção conjunta encontra limites concretos entre extensionista e agricultores ou comunidade rural. Uma vez realizado o trabalho que nos é possível é importante que esse trabalho tenha como conclusão uma autonomia da comunidade. Entretanto, essa autonomia é relativa, não encerra no vínculo de trabalho, transforma-se em elo entre comunidade e Instituto Agroecológico. Assim, o vínculo passa a ser de parceria política.

Após este percurso, retomamos as questões levantadas no começo do texto. A prática do extensionista tem um compromisso com a população que trabalha, mas também tem o compromisso com a comunidade acadêmica que o cerca. A intervenção do extensionista não se encerra no campo, a reflexão sobre a prática faz parte da extensão. Esta produção de conhecimento e divulgação do trabalho realizado funciona também como mediação entre população e poder público. Podemos entender a extensão como práxis.

“Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isso sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais”. Paulo Freire

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