
Para começar a elucidar essa questão é preciso entender que os dois termos envolvidos na pergunta – agroecologia e saúde - são campos amplos e multifacetados, compreendendo vários conceitos e entendimentos. Faz-se necessário então explicitar de que agroecologia e de que saúde estamos tratando aqui.
Como abordado anteriormente, partimos de um entendimento de agroecologia que ultrapassa a simples troca do pacote tecnológico convencional pelo orgânico. A agroecologia que buscamos construir é aquela mais afinada com as idéias de Guzmán e Molina (apud Caporal e Costabeber, 2007) sendo entendida como um
"campo de estudos que pretende o manejo ecológico dos recursos naturais, para - através de uma ação social coletiva de caráter participativo, de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica – reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, mediante um controle das forças produtivas que estanque, seletivamente, as formas degradantes e espoliadoras da natureza e da sociedade."
Portanto a agroecologia tal qual entendida por nós prevê, num contraponto ao modelo de produção agrícola tradicional, tanto a preservação e manutenção do meio ambiente quanto à problematização de questões referentes à qualidade de vida e organização de trabalho dos agricultores.
Qualidade de vida é conceito intrinsecamente ligado à saúde. Quando pensamos em viver com qualidade chegamos a determinantes que compõem um conceito ampliado de saúde. Esse conceito, que norteia a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), expresso na lei 8080 de 1990, propõe um olhar para a saúde como além da ausência de doenças, compreendendo fatores como a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Essa ampliação do foco leva a uma reorientação das políticas de saúde, passando da exclusiva assistência à idéia de promoção de saúde como central na organização dos serviços.
É com base nesse ideário e na leitura da conjuntura política, social e econômica de nosso país que vem sendo discutidas políticas públicas que contemplam a população do campo em iniciativas intersetoriais e interdisciplinares que aproximam a saúde de outros saberes, dentre os quais a Agroecologia.
A Política de Saúde para a População do Campo, ainda em fase de formulação, surge da demanda de movimentos sociais e entidades do campo como o Movimento dos Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), Movimento das Mulheres do Campo Brasil (MMC) e Instituto dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Vale do Jequitinhonha (ITAVALE). Essa política busca contemplar os segmentos populacionais de agricultores (as) familiares, trabalhadores (as) rurais assalariados (as) e aqueles (as) em regime de trabalho temporário, os (as) trabalhadores (as) rurais assentados, os (as) trabalhadores (as) rurais que não têm acesso a terra – famílias de trabalhadores (as) rurais de assentamentos e acampamentos rurais, populações que residem em comunidades remanescentes de quilombos, em reservas extrativistas, em vilas, povoados, população ribeirinha, populações atingidas por barragens, comunidades tradicionais e trabalhadores que moram na periferia das cidades e que trabalham no campo. Reconhecendo as desigualdades sociais e disparidades regionais trazidas pelo atual modelo de desenvolvimento econômico, a política visa elevar o padrão de vida da população por meio de ações intersetoriais, de geração de emprego e renda, de saneamento ambiental, de habitação, de eletrificação rural, de educação, de cultura e lazer, de acesso a terra e de transporte digno. Nesse sentido, prevê a organização e estruturação da rede de serviços do SUS para a população do campo, buscando desenvolver ações que possibilitem a quebra de resistências e o enfrentamento de questões como: combate ao uso de agrotóxicos, implantação da política de fitoterápicos, acesso humanizado, combate as formas de discriminação e defesa de um modelo auto-sustentado. (Política de Saúde para a População do Campo, 2004)
A interface entre saúde e ambiente vem sendo tratada na Política Nacional de Saúde Ambiental, também em fase de construção. Essa política traz à tona a inseparabilidade entre ambiente e saúde (diante da multiplicidade de fatores que determinam a saúde e o bem-estar dos indivíduos) e sinaliza a necessidade de um aprimoramento do modelo de atenção do SUS, entendendo que saúde se faz também (e fundamentalmente) fora da prática dos serviços de saúde. Surge então a busca pelo desenvolvimento de ambientes saudáveis, pautada em “intervenções relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antrópico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano sob o ponto de vista da sustentabilidade”. (Subsídios para a Construção da Política Nacional de Saúde Ambiental , 2007)
Retomando a pergunta inicial, tanto a proposta de saúde quanto a de agroecologia trabalham com os conceitos ampliados. Percebemos que a busca pela saúde, assim, como a de agroecologia não se resume a uma intervenção individual, mas compreende uma ação coletiva. Assim como a saúde não se resume a ausência de doença, a agroecologia não se resume a produção e comercialização agrícola.
Desta forma, o trabalho de Extensão desenvolvido no Instituto Agroecológico busca diagnosticar, problematizar e buscar intervenções que contemplem a complexidade das relações entre saúde, trabalho e modelo produção rural. Entendendo o controle social e a cidadania como elementos centrais, o trabalho tem se pautado na busca do empoderamento dos agricultores no que diz respeito às relações em que estão inseridos, para que possam reivindicar e acessar seus direitos.
Referências Bibliográficas
· Brasil. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 set. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
· Brasil. Política de Saúde para a População do Campo, 2004. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/12_Politica_pop_campo.pdf
· Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde, 2006. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/portaria687_2006_anexo1.pdf
· Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Subsídios para construção da Política Nacional de Saúde Ambiental, Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2007. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_saude_ambiental.pdf
· CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A.. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2004.